terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Apenas Mais Um

Eu estou em meio a uma guerra e cada passo que eu dou tem um significado importante, um passo em falso pode jogar tudo para os ares, como em um grande campo minado. Costumávamos ficar todos juntos e servir a única voz que nos fazia sentido, as regras ainda não existiam para nós, éramos todos livres e sabíamos como sobreviver sem matar-nos uns aos outros a troco de nada. Um batalhão foi desmembrado aos poucos, agora posso ver cada um prosseguindo a sua jornada de volta para casa enquanto eu ainda permaneço aqui, olhando para o campo de batalha e me deparando com os fragmentos que restaram. Eu estou sendo condenado por automutilação, sentir a dor era o que eu gostaria de pedir se houvesse uma chance, pois finalmente me deparei com ela, eu nunca achei que a dor viesse até a mim, mas ela soube me encontrar e me encontrou no momento em que eu estava inteiramente fraco, sem condições de lutar. “Levante-se”, eles me pediam, mas eu desejava apenas sangrar. Quando ainda havia união, costumávamos proteger uns aos outros, mas ninguém nunca me disse que não poderiam me proteger de mim mesmo. “Levante-se”, eles ainda me pediam, mas eu simplesmente não posso, eu me tornei um soldado qualquer. Enquanto rastejava sobre a terra úmida, molhada de sangue, eu pensava na única recordação que me restou, um porta-retrato com uma foto velha guardando um momento feliz que já não existe mais, apenas uma lembrança. Eu gostaria de fugir desse mundo e voltar para casa, mas aquela velha casa já não se parece mais com um lar. Autodestruição era o que eu estava tentando, mas fracassado demais até para o fim, apenas mais um soldado, apenas um qualquer. Eu estou só do mesmo modo como cheguei até aqui, até encontrar amparo no inimigo, até apunhalá-lo pelas costas e sentir o sangue escorrer do meu próprio corpo, estou sendo punido por automutilação, mas eu preciso apenas sentir dor. Cambaleando sobre o campo de batalha, vendo as vidas que passaram pelas minhas mãos jogadas ao chão apenas para o meu prazer, eu tenho tentado prosseguir, mas essa cena se repete a cada passo que dou e me faz ver o fracassado que sou, apenas um perdedor, apenas um soldado qualquer. No chão eu me deito imóvel em dor e me pergunto quantas vezes mais eu terei que morrer para aprender a viver. Eu fui esquecido em uma sala qualquer, de mãos atadas, presas a algemas e não há mais nada que eu possa fazer, eu lutei pela vida até desejar morrer e isso ainda não foi o bastante para me tirar a vida, esforços em vão, tentativas frustradas, eles nunca irão entender que eu me tornei um soldado qualquer. Todas as armas que eu tinha em minhas mãos não puderam me ajudar no momento da explosão, eu estava novamente sozinho, não havia ninguém em quem atirar, ninguém para culpar. Eu deveria ter atirado na minha própria cabeça naquele instante e poupado o pouco de dignidade que ainda existia, mas eu hesitei e preferi atirar em meu coração, há um buraco no meu peito agora e eu ainda me culpo por autodestruição. Agora eu entendo porque eu estou sendo condenado, eu sou o culpado por me auto-mutilar, por desejar a dor numa proporção maior a que eu era capaz de agüentar, ainda restam feridas abertas e eu mereço aguardar pela minha morte enquanto sangro, pois elas nunca irão cicatrizar. Agora eu entendo aquela velha lembrança. Agora eu entendo porque jamais voltarei para casa, pois não existe mais um lar, eu o destruí enquanto destruía a mim mesmo nesta guerra, agora vejo como o meu mundo foi bombardeado, agora eu devo aplaudir de pé o seu governante, porque agora eu me tornei apenas um soldado, um soldado qualquer.